1561 a 1580

1561

A vida municipal de São Paulo do Campo de Piratininga se iniciou sob as mais graves apreensões. Em 20 de maio, a Câmara da nova vila pedia ao Governo-Geral armas e reforço de povoadores à vista das contínuas e fortíssimas agressões dos índios à sua aldeia mal amparada pelas mais singelas e expugnáveis muralhas.

A situação instável daqueles tempos obrigou a recém-criada vila de São Paulo a se preparar militarmente, como se pode ver nessa petição ao rei, pela qual seus moradores solicitavam armas para a defesa da vila, e que o produto do dízimo fosse gasto em fortificá-la, pedindo “que venham degredados para povoar a terra, contanto que não sejam ladrões”.

Ser condenado à pena de degredo durante o Antigo Regime português consistia, antes de tudo, em ser obrigado a permanecer por um tempo determinado num local específico prescrito pelas autoridades judiciais lusitanas. Tribunais civis e inquisitoriais estabeleciam as condenações, baseados nos livros das Ordenações do Reino ou do Regimento do Santo Ofício da Inquisição. Dessa forma, criminosos e pecadores foram expulsos de suas terras natais e pagaram por seus delitos em terras localizadas em alguma das possessões portuguesas do além-mar, ou mesmo dentro do próprio território fronteiriço do Reino.

1562

Dois anos depois da organização das primeiras aldeias coloniais, em 1562, ameaças, mortes de homens brancos, captura de escravos, capturas de mulheres, levantes e guerras foram ações contínuas de vários grupos indígenas “desinquietos” que viviam tanto nas aldeias coloniais como no sertão. Embora seja difícil identificar todos os grupos implicados nos conflitos, a documentação da Câmara identifica, entre os atores, os Tupiniquim de Ururaí, de Pinheiros e do sertão, os Carijó do Sul, que buscavam mulhres brancas, os Tamoios do litoral do Rio de Janeiro, e grupos “contrários” do sertão que se “alevantaram” contra os adventícios, como os Guanonimis ou Maromimi(Guarulhos), os das nações hybirababacas, provavalmente os Caiapó, e os Guaianá.



Ata da Câmara paulistana de 01/01/1562, descrevendo o rito pelo qual 
se dava a escolha dos vereadores e demais autoridades que 
serviriam a edilidade no ano de 1562.

Além das armas, a vila precisava de um baluarte de defesa. Em abril, agravou-se a situação e João Ramalho foi eleito pela Câmara e povo, capitão da gente de guerra que devia enfrentar os índios agressores. Depois do ataque dos Tupinikim, a 12 de junho de 1562, foi iniciada a construção de um muro de taipa.

Em 10 de julho de 1562, uma coligação de tribos guaranis, carijós e outros tupis, a que se deu o nome de Confederação dos Tamoios, investiu contra a vila. No embate, os sitiados, comandados por João Ramalho e Tibiriçá, ganharam a batalha graças à superioridade (embora ainda não muito considerável) na época, das armas de fogo de tiro muito lento e pequeno raio de alcance. Contra si tinham a grande inferioridade do número de combatentes. Rechaçados os tamoios com grandes perdas, reiteraram o ataque a 11 de julho com redobrado vigor. Viram-se, porém, completamente derrotados e debandaram, perseguidos pelos vencedores, brancos e índios. Foi então que Nóbrega e Anchieta se ofereceram como parlamentares junto aos tamoios, permanecendo na praia de Iperoig (atual Ubatuba), como reféns durante meses, até que se estabelecesse a paz entre brancos e gentios.

Anchieta e Nóbrega na Cabana de Pindobuçu. Pintura de Benedito Calixto

Em novembro deste mesmo ano foi nomeada uma comissão de 12 pessoas, para concluir a fortificação, sob pena de pagar uma multa de “cyncuo [cinco] tostois . Desta forma vê-se que as ordens deviam ser cumpridas e de forma autoritária.

Com o passar do tempo, as hostilidades desencadeadas pelos indígenas foram cessando. Ao invés de proteger a vila, este muro dificultava as idas e vindas das pessoas para suas roças, surgindo aberturas de passagens que o deterioravam. Sem ter quem o reformasse, foi destruído pela ação do tempo. No final do século já não há mais referência a ele. 

Apesar deste incipiente baluarte, poucos moradores viviam na vila, estando a maioria na zona rural. Esses homens rudes, muitos deles aventureiros e com uma família mestiça, optaram pelo isolamento rural, que lembrava a aldeia tupi. O sítio e a fazenda sobrepujaram a cidade. Poucas casas havia na vila, e eram usadas apenas para negócios de final de semana, por ocasião das festas religiosas e procissões e quando vinham participar das sessões da Câmara.

Tão pequeno lugarejo não comportava grande aparelhamento administrativo e judicial. Desde os primeiros anos temos ciência da presença de um notário tabelião de notas chamado João Fernandes. Acumulavam os tabeliães quinhentistas o cargo notarial com o de escrivães das Câmaras.

O Cacique Tibiriçá viria a morrer naquele mesmo ano, vítima da "peste negra", no dia de Natal, e foi muito chorado pelos jesuítas que o sepultaram.

1564

Numa sessão de 1564, a Câmara de S. Paulo afirma que os Tupiniquim e os Tamoio têm causado muita apreensão na vila de São Paulo e solicita ao Rei que autorize a guerra contra os índios. Os Tupiniquim, dita o documento, há quinze anos têm matado homens brancos no sertão. No âmbito da vila, quebraram as pazes, atacaram e fizeram um cerco de alguns dias em torno do vilarejo de São Paulo. Há dois anos, seguem fazendo saltos “destroindo hosmãotimentos e matãodo e levãodo allgus homes brãoquos e escravos e assim muito do guado vaqu [...]”

Ocorreu nova e grande tensão entre os moradores da vila e índios hostis, cujo chefe militar continuava a ser João Ramalho, que neste ano afastou-se da vila paulistana. João Ramalho resolveu abandonar o Planalto e ir morar longe. E foi habitar uma cabana rústica no vale do Paraíba. Hospedou-se em casa de Luís Martins.

Estava velho e cansado. Apesar de tudo, embora na quadra dos setenta anos, não tinha uma cã (cabelos brancos) na cabeça nem no rosto, e costumava andar nove léguas a pé antes de jantar.

No dia 15 de fevereiro de 1564, um grupo pacífico de homens foi procurá-lo na sua casa. João Ramalho recebeu-os com certo embaraço. Que queriam dele? Mandou-os entrar.

Não havia banco para tanta gente. Ficaram de pé, e de pé falaram. Era uma comissão do Conselho Paulista. Vieram comunicar-lhe que a gente de Piratininga o havia eleito para vereador de sua Câmara. Ramalho ouviu tudo com a maior atenção. Seu olhar parecia andar por muito longe, distante mesmo... Lembrava-se, talvez, das ingratidões de que fora vítima.

Recordava-se das humilhações sofridas. E então solene, pausado, com um tom superior, retorquiu, altivo:

"Não aceito. Vivo bem no meu exílio. Pra que voltar? Além disso, estou velho: sou um homem que já passou dos setenta anos... Digam ao Conselho que João Ramalho declina da honraria, e prefere ficar onde se encontra: prefere acabar seus dias entre os contrários do Paraíba, na terra dos índios." 

1565

Havia trigais em torno do arraial e muito gado. Em torno do Colégio de São Paulo existiam seis aldeias de índios da terra e umas tantas casinhas esparsas de moradores, cristãos uns e outros não.

1571

A atual rua de São Bento era o delineamento principal da vila. Já se assinalavam os dois outros rumos do famoso Triângulo de nossos dias. A Câmara empenhava-se em demarcar o seu rocio.


1572

Em 1572, os camaristas reclamaram que algumas pessoas haviam reunido os índios “põtteiros” para levar ao Rio de Janeiro, o que não consentiam, alegando “ser prejuízo da ttera”, por “não tteremos quem corra as frõtteiras” e por terem “nottiçia dos conttrairos estare juntos”. Diante do “estado de guerra” da Capitania de São Vicente e da ameaça de despovoamento da Vila de São Paulo, a Câmara pede que o “gentio seja conquistado p.r guerra p.a q co medo e co ho quastigo q lhe pode dar fique co menos forsa p.a poderem cometer a dita vila e capitania como custumão”. A articulação de uma guerra contra os índios do sertão fez-se simultaneamente às medidas de defesa dos 1.500 moradores da vila de São Paulo, distribuídos por 190 fogos.

Os oficiais ordenam a limpeza dos caminhos e das fontes, a construção de pontes, a contratação de um porteiro da vila e a contratação de vigias e espias que informem os movimentos dos grupos inimigos.


Também recomenda que se retirem os chiqueiros de porcos e as casas que estiveram arrimados aos muros da vila, “p.r q sosedendo allgua guera pellos ditos chiqueiros podiam subir os contrairos”


1575

Cristóvão Gonçalves tinha uma olaria que trabalhava com aplauso da Câmara pois “a dita telha era necessária por razão desta vila estar coberta de palha e correr risco por razão do fogo”. Estava em andamento a construção do primeiro paço municipal e o indefectível cárcere a ele anexo. Tão má a sua construção que em 1583 começou a ruir.

1576

Devendo a Câmara pagar vinte cruzados, declarava não poder fazê-lo em moeda de contado, que a esta não possuía, e sim em couros, toicinho, porcos e cera.

A forca era um instrumento da justiça, pois na época havia pena de morte. Com uma população formada por aventureiros de toda espécie, deve ter sido usada com certa freqüência. Por isso foi levantada antes do pelourinho, em 1576. Não era bem vista pelos paulistas, que pouco interesse tinham em levantá-la. Naquele ano os vereadores pediam “q’ suas mercês mãdacen allevantar a forqua q’ estava no chão toda caída”.

1580

Em 1580 morreu João Ramalho, em seu exílio voluntário.

Na vila de São Paulo, a superintendência da polícia de costumes procurava acabar com as orgias e desordens de índios e brancos. Também tomaram-se providências contra linguarudos e caluniadores “alguns homens que eram difamadores, sobretudo os que difamavam mulheres casadas e solteiras”. Foram diversos destes maledicentes enxotados da república.