Rio Tamanduateí

"Tamanduateí" é um termo de origem tupi que significa "rio dos tamanduás verdadeiros", através da junção dos termos tamandûá (tamanduá), eté (verdadeiro) e 'y (rio) .

De 35 quilômetros de extensão, o Rio Tamanduateí (que os antigos sertanistas chamavam de Rio Piratininga) nasce cristalino no município de Mauá, passa pelas cidades de Santo André e São Caetano, atravessa o centro de São Paulo, no Parque D. Pedro II, até desaguar no Rio Tietê, no bairro do Bom Retiro, em frente ao Palácio das Convenções do Anhembi.

O Tamanduateí era  um rio bastante sinuoso que cumpriu importante papel na formação da cidade de São Paulo, permitindo a navegação até o Rio Tietê e facilitando a locomoção dos moradores e dos sitiantes que residiam nas vizinhanças. Teodoro Sampaio escreve sobre a navegação no Tietê e no Tamanduateí no final do século XVI: "Embarcados na sua canoa o padre, o negociante, o fazendeiro, o simples homem do povo podiam atingir qualquer ponto da zona povoada em torno de São Paulo".

Margem direita do rio Tamanduateí no fim do século XIX.
O Tamanduateí, até o início do século XX, foi um via de transporte fluvial, atendendo os Mercado Grande (ou Mercado Velho) e o Mercado dos Caipiras que existiam na antiga Rua de Baixo (atual 25 de Março), quando barcos transportavam mercadorias até o porto denominado de Ladeira Porto Geral.

Além disso, as suas águas, que corriam limpas, eram utilizadas para os afazeres domésticos dos moradores. Em sua várzea, ao lado das pontes, as mulheres, com trouxas e tábuas, lavavam as roupas. “Lavar a roupa suja” e “briga de lavadeira” são expressões vindas de um tempo em que o rio Tamanduateí era um lugar de encontros e também de desencontros. Vindas de diversas partes da cidade em sua maioria negras, depois viriam imigrantes do Brás, as lavadeiras se encontravam, e, apesar do trabalho estafante também trocavam impressões pela vida. Não raro saiam brigas pelos melhores pontos de lavagem, fofocas maldosas, assim como amizades e risos das moças e senhoras pobres que utilizavam as águas do rio.

As lavadeiras registradas pelas lentes de Guilherme Gaensly, em postal circulado em 1904.
Ao fundo, vemos a antiga Ponte do Carmo, que fazia a ligação da Ladeira do Carmo com o
Caminho do Brás (atual Rangel Pestana), ao fundo vemos a torre da Igreja do Carmo.
Os homens pescavam e os animais bebiam água. Descreve o jornalista Geraldo Sesso Jr.:

"Na época das enchentes era muito comum divisar-se naquele local, tarde à noite como durante o dia, numerosas pessoas que ali iam pescar e caçar frango d'água, patos selvagens e rãs. Na época de piracema, em que cardumes de rios procuravam subir rio acima, o número de pescadores aumentava consideravelmente. Estes usavam redes e havia outros que, na falta desse apetrecho de pesca, usavam até guarda-chuvas". 

As casas cujos fundos abriam-se para o Rio Tamanduateí tinham escadarias onde os moradores atracavam seus barcos e pescavam. No fim da Ladeira Porto Geral, antigo Beco das Barbas, existiu de fato um porto - daí o nome da rua -, que resistiu até o início do século XX, quando o prefeito Antonio Prado mudou o curso do rio e o reduziu a um estreito canal.

Região da rua 25 de março, em 1890.

Bem antes de ser o Parque D. Pedro II, toda essa região era conhecida como Várzea do Carmo. Várzea, pois era (ainda é) a área inundada pelas cheias do Tamanduateí e “do Carmo” por conta da igreja dos carmelitas, a Igreja do Carmo, que também nomeava a ladeira e a ponte no final dela, hoje esse trecho corresponde a conhecida avenida Rangel Pestana.

Por muito tempo, usou-se as margens do Tamanduateí para para banhos, para as lavadeiras e suas memoráveis brigas e também para o despejo de lixo e de dejetos. As enchentes passaram a ser um dos grandes problemas à população, pois a insalubridade da Várzea do Carmo trazia muitas doenças para a população.

Já em 1810 fora construída uma vala no centro da várzea na tentativa de barrar os alagamentos. Mesmo com esses problemas, o botânico francês Auguste Saint-Hilaire¹, que esteve em São Paulo em 1822, dá um panorama da vista que se descortina pelas janelas do Largo do Palácio (Pátio do Colégio):

“o Tamanduateí vai serpenteando através das pastagens úmidas, [dava] mais encanto à paisagem.” Esta paisagem, por sinal, incluía a Várzea do Carmo, atual Parque D. Pedro II, a qual ele definiu como uma “planície sem acidentes que apresenta uma encantadora alternativa de pastagens rasteiras e de capões de mato pouco elevados [...] nas partes em que há mais água, o solo é entremeado de montículos cobertos de espessos tufos de relva.”

“Innundação da Várzea do Carmo”, 1898, Pintura de Benedito Calixto.
No canto direito, é possível ver parte do antigo colégio, usado como Palácio do Governo.
Do lado esquerdo, essa construção com um grande pátio é o antigo
Mercado dos Caipiras (ficava no final da Rua Municipal, atual General Carneiro).


A Província de São Paulo. 7 de março de 1877.

Entre as décadas de 1870 e 1880, o rio Tamanduateí foi um dos pontos de lazer do paulistano, quando a "Ilha dos Amores", que era uma pequena ilhota ajardinada existente nas proximidades da atual Rua 25 de Março, mantinha quiosques com bebidas e comidas, além de uma casa de banho e espaço para o descanso, permitindo, assim, um local de entretenimento e lazer para a população, estimada nesta época em 31 mil habitantes conforme o censo de 1872. Após vários alagamentos, a ilha foi abandonada e deixou de existir no início do século XX, quando ocorreu a segunda retificação do rio.

Vista do rio Tamanduateí, entre os bairros da Luz e do Pari, região central de São Paulo, em foto de 1906

Rio Tamanduateí na região da rua 25 de março, em 1910.

Mas o desastre ambiental começa na década de 1950 com a construção de um pólo petroquímico em Capuava, que resultou em danos irremediáveis ao rio: a construção de uma barragem e a poluição de suas águas com dejetos químicos.

O Tamanduateí possuía 43 afluentes que deram origem a bairros, vilas e cidades, como o Ipiranga, a Mooca e a Pedra Branca. Atualmente a maioria desses córregos encontra-se total ou parcialmente canalizada e transformada em canais coletores de esgoto; o próprio rio tornou-se o maior canal de esgoto a céu aberto do ABC paulista.