São Paulo foi fundada em uma posição excelente, num pequeno platô acessível apenas por um lado. Isso não foi suficiente, porém, para evitar os ataques dos índios vizinhos. Assim, desde os primeiros dias, cercou-se de muros, construídos com grande afinco pelos índios catequizados. E foram talvez estas taipas rudes e grosseiras que salvaram a vila quando houve o ataque da confederação dos tamoios em 1562.
Em 5 de novembro de 1562, meses depois do ataque, requeria o procurador
do concelho Luiz Martins que se concluíssem as obras dos muros, em um período de 15 dias, sendo então encarregados da tarefa treze dos principais paulistanos. A câmera decretou que quem se furtasse a tão premente obrigação, seria multado em cinco tostões.
Em 1 de fevereiro seguinte, denunciava-se
em vereança o fato de ainda se acharem por terminar
uma guarita por trás do muro e a "cobertura das
cerquas da villa".
No desenho, que representa a Vila de São Paulo na década de 1560, é possível notar o muro que cercava à vila. |
Pela cinta murada protetora do
arraial, várias portas se abriam, e a guarda dessas portas eram entregues a pessoas de confiança. Havia uma entrada principal para a vila a
"Porta Grande", sobre a qual existia guarita e vigia. A este mesmo portão chamavam em 1563 de "Porta Nova". Em 13 de fevereiro de 1563, requeria o procurador
Salvador Pires aos seus colegas de edilidade que se
fechassem a cadeado duas dessas portas exteriores,
cujo zelador era Pêro Dias.
Os anos passaram e, como não houve novas ameaças, renasceu a
confiança e descuidou-se da conservação dos muros. Em 1565, o procurador do concelho denunciava que Joanne Annes, Domingos Roiz e Manuel Fernandes
(aliás juiz ordinário da vila naquele mesmo ano)
haviam aberto buracos nos muros e portas e pedia que fossem intimados a concertá-los, E assim foram condenados a tapar os buracos com pena de quinhentos réis pra o concelho. Domingos Roiz não efetuou o reparo, a Câmara realizou o serviço e lhe cobrou as despesas. No entanto, o morador enviou uma petição à Câmara para que abrisse novamente a passagem
No livro "São Paulo dos primeiros anos", Afonso Taunay narra os detalhes do curioso pedido:
"Havia o baluarte caído desde quatro anos’, explicava o pobre diabo. Entaiparem-lhe agora a abertura seria condená-lo a grande incômodo. Eram ‘a terra pobre e as necessidades dela muitas’. Sua mulher ia à roça com as escravas atravessando as derruídas fortificações. Se assim não fosse, precisariam dar enorme volta. À vista de semelhante inconveniente, pois, respeitosamente suplicava o desolado emparedado ‘que lhe dessem licença, para que de novo abrisse a passagem, para que sua mulher e cunhadas e escravas pudessem dela servir-se’. Para Domingos Roiz, ao que parece, não existia a questão do salus populi. Queria as suas comodidades esse egoísta do século XVI."
O pedido não foi atendido mas a multa foi perdoada, dado o estado de pobreza do réu.
Mais grave que a abertura dos buracos nos muros era a remoção de portas. O ex-vereador António Fernandes não só arrancou-as como as vendeu para André de Burgos e
por 250 réis, o que não era permitido pois as portas pertenciam ao concelho. Foi condenado a restituir a porta, sob pena de apreensão e multa de 200 réis.
Em outra ocasião, o procurador denunciava que "indivíduos maléficos e
desconhecidos haviam quebrado e queimado as guaritas abrigadoras das sentinelas da vila". A construção de novas guaritas demandaria um custo alto, e as finanças da municipalidade
estavam avariadíssimas.
No ano seguinte, mais uma vez, constatavam os vereadores Afonso Sardinha e Lopo Dias e o procurador
do concelho Lourenço Vaz, que os muros de
São Paulo estavam danificados e caindo. Solicitavam que fosse determinado que cada morador da vila reparasse os muros em sua propriedade, num período de 8 dias, sob pena de multa de 100 réis para o concelho, caso não cumprissem a determinação.
Não sabemos
se realmente se cumpriram estas ordens e determinações; ficaram provavelmente apenas no papel.
Vários
anos decorreram sem que se pensasse em concertar os muros.
Em 1583 a Câmara lança um protesto contra os jesuítas — até os jesuítas! — por haverem derrubado
um pedaço de muralha, Em 1590, acontece um novo ataque por parte dos índios à vida. Por isso, em junho do mesmo ano, com o crescimento da vila, decidiu-se erguer uma
segunda cinta de muralhas,